Compliance em tempos de guerra

Durante o século XXI, enfrentamos diversos desafios, como, por exemplo, a revolução digital, o combate à corrupção, a pandemia do covid-19 e as guerras, que trouxeram mudanças significativas para a sociedade. Entre os grandes avanços, você sabia que o Compliance já transforma os tempos de guerra ao redor do mundo?

A globalização possibilitou que os eventos desastrosos ocorridos do outro lado do oceano pudessem nos impactar, exigindo uma resposta tanto do Poder Público, quanto da sociedade e da iniciativa privada.

E o Compliance deixou de ser uma ferramenta intrínseca à atuações legislativas, alcançando patamares imprevisíveis e cenários cada vez mais complexos, como o conflito entre Ucrânia e Rússia.

Neste contexto de guerra, a função do Compliance é fundamental para o controle e gestão de riscos das organizações, sejam elas privadas ou públicas.

As origens do Compliance no Mundo e no Brasil 

A palavra Compliance deriva do inglês “to comply”,que significa estar em conformidade com o ordenamento jurídico, as normas e regimentos internos de uma empresa. Sua origem é anglo-saxônica, estando fortemente ligada aos Estados Unidos. 

 O Compliance surgiu a partir da necessidade de regular o mercado financeiro que sofria uma forte crise em 1929, em consequência da quebra da Bolsa de Nova York. 

Na década de 1970, nos EUA, foi criada a Lei Anticorrupção Transnacional – a Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) -, que endureceu as penas para organizações americanas envolvidas em atos de corrupção no exterior.

E, a popularização do Compliance ao redor do mundo ocorreu através das normas da  International Standardization Organization (ISO), que provocaram uma mudança de comportamento em diversos segmentos, e projetaram para os quatro cantos do mundos a necessidade de implementação de Programas de Integridade. 

Não podemos negar que a corrupção ainda está entre as principais categorias de crimes corporativos à nível mundial e que, consequentemente, interferem na imagem e reputação das organizações. Mas, certamente começaram os avanços, mesmo que pequenos.

O Compliance vai aos poucos conquistando o seu espaço e provando o seu essencialismo: passou a assumir um papel fundamental no combate às práticas ilícitas no setor privado, o que outrora era exigido de forma quase unilateral a agentes públicos. Neste protagonismo, colocou o público e o privado em cooperação mútua para prevenir e combater a corrupção e também direcionar o mindset para a cultura de integridade.

Outro fato importante nesta linha do tempo foi a assinatura da Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais. E, depois foi a vez do Foreign Corrupt Pratices Act (FCPA) de 1977 ser inspiração para a Convenção da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) no ano de 1997.

No Brasil, o  Compliance começou a ganhar visibilidade em 1922, com a abertura do mercado nacional às empresas estrangeiras. Na época, o País se adequou aos padrões éticos de combate à corrupção. A ação foi necessária devido à crescente competitividade entre empresas transnacionais.

E foi só em 2014 que o Brasil voltou a abordar o tema, com a descoberta de esquemas de corrupção envolvendo empresas públicas e privadas, bem como agentes públicos. A operação Lava-Jato foi iniciada nesta época; abordando desvios de condutas, como lavagem de dinheiro e, posteriormente, desvios de verbas públicas de empresas, como a Petrobras (que tem capital público e privado).

Como o Compliance está transformando os tempos de guerra ao redor do mundo?

Até que a sua atuação alcança contextos quase intocáveis, como a guerra entre Rússia e Ucrânia, e assim emerge a era do Compliance nos quatro cantos do mundo.

A partir deste conflito vieram as premissas de uma nova crise atingindo forças políticas, economia global e, consequentemente, a esfera corporativa. E, com a pretensão de evitar outro colapso, numa fase ainda de retomada pós-pandemia, a grande maioria dos países integrantes do Conselho de Segurança da ONU e da OTAN se mobilizaram utilizando estratégias de embargo econômico para isolar a Rússia e mitigar o conflito. 

Além do fechamento de algumas instituições financeiras, da desvalorização da moeda russa e do derretimento de ações, algumas empresas que mantinham relações com a Rússia passaram a limitar a sua atuação. Efeitos de uma força tarefa de Compliance focada em gestão de riscos.

Mas qual é a relação entre o Compliance de uma empresa com os conflitos entre Rússia e Ucrânia?

As empresas com sede na Rússia já eram tratadas como contrapartes de alto risco pelos países que possuíam altos padrões de compliance, já que é considerado o 44º país com maior índice de percepção de corrupção no mundo pela Transparency International.

Antes do conflito, contratar uma empresa russa era considerado arriscado, mas possível através de diligências de Compliance à procura de red flags. Entretanto, por causa das sanções econômicas à Rússia, esta classificação evoluiu para o  título de “blacklisted”, ou seja,  terminantemente proibida de contratar independente de não possuir red flags.  

É importante estar atento, se sua empresa tiver negócios com organizações na Europa ou Estados Unidos,  pois você poderá ser desclassificado em um processo de contratação caso possua fornecedores, clientes ou prestadores russos.

Vale a pena investir em esforços de controle interno para mitigar os riscos à sustentabilidade e reputação  do negócio em tempos de guerra.

Um destes mecanismos de controle é o canal de denúncias, que permite detectar, reduzir, prevenir e solucionar problemas de desvios comportamentais e descumprimentos à legislação.

Da Redação Ouvidor Digital