Foi publicado o documento “Programa de Integridade: Diretrizes para Empresas Privadas, volume I”, pela Controladoria Geral da União, em setembro de 2015.
Houve a publicação do volume II, em novembro de 2024, que teve como objetivo:
- Atualizar e complementar o documento anteriormente emitido;
- Alinhar à atual regulamentação da Lei nº 12.846/2013 e do respectivo Decreto nº 11.129/2022 responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, e a Lei nº 14.133/2021 de Licitações e Contratações Públicas;
- Esclarecer os entendimentos mais recentes sobre integridade empresarial formulados pelos meios acadêmicos e pelas demandas de mercado;
- Oferecer diretrizes claras que ajudem as empresas a criar ou aprimorar seus programas de integridade, à luz da legislação vigente no país e das melhores práticas.
Importante observar que o documento é exclusivamente orientativo e não possui caráter normativo ou vinculante. Portanto, as diretrizes apresentadas não geram direitos ou garantias em relação a uma eventual análise de Programa de Integridade em processos de responsabilização com base na Lei nº 12.846/2013, ou em quaisquer outros processos ou procedimentos nas esferas administrativa ou judicial.
Foi criado este artigo com base no documento Programa de Integridade: Diretrizes para Empresas Privadas, volume II. Para realizar este artigo, foram transcritos partes do documento, e enfatizamos o item III.9. DETECÇÃO DE IRREGULARIDADES, da página 32.
Desta forma está descrito a importância do “Canal de Denúncias” para detectar possíveis irregularidades.
VISÃO GERAL
O termo “Programa de Integridade” aparece pela primeira vez na legislação brasileira com a publicação do Decreto nº 8.420/2015, que regulamentou a Lei Anticorrupção. O artigo 41 do referido decreto assim definia Programa de Integridade: “Programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.”
Vale mencionar a Lei das Estatais nº 13.303/2016, que, em seu art. 9, §1º, estabelece que as empresas públicas e sociedades de economia mista deverão elaborar e divulgar Código de Conduta e Integridade dispondo sobre:
“I – Princípios, valores e missão da empresa pública e da sociedade de economia mista, bem como orientações sobre a prevenção de conflito de interesses e vedação de atos de corrupção e fraude;
II – Instâncias internas responsáveis pela atualização e aplicação do Código de Conduta e Integridade;
III – Canal de denúncias que possibilite o recebimento de denúncias internas e externas relativas ao descumprimento do Código de Conduta e Integridade e das demais normas internas de ética e obrigacionais;
IV – Mecanismos de proteção que impeçam qualquer espécie de retaliação a pessoa que utilize o canal de denúncias;
V – Sanções aplicáveis em caso de violação às regras do Código de Conduta e Integridade;
VI – Previsão de treinamento periódico, no mínimo anual, sobre Código de Conduta e Integridade, a empregados e administradores, e sobre a política de gestão de riscos, a administradores.”
CANAL DE DENÚNCIAS
No item III.9. DETECÇÃO DE IRREGULARIDADES, página 32, do documento volume II, está descrito, que a implementação de um Programa de Integridade não constitui uma “bala de prata” que irá evitar a ocorrência de qualquer irregularidade na empresa. A definição do Decreto nº 11.129/2022 destaca como objetivos do Programa de Integridade de prevenir, detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira.
Uma das principais formas de detectar irregularidades é por meio da disponibilização de canais de denúncias. O Guia de 2015 já traz uma série de considerações relevantes sobre a estruturação de canais de denúncias que merecem a leitura. De todo modo, convém ressaltar alguns aspectos que contribuem para o bom funcionamento de um canal para recebimento de denúncias de irregularidade:
- É indispensável que o canal esteja disponível em português. Pode parecer óbvio, mas a experiência adquirida ao longo dos anos tem demonstrado que não é incomum encontrar dificuldades em acessar canais de denúncias de empresas multinacionais que adotam Programa de Integridade global. Em alguns casos, até é possível realizar a denúncia em português, mas o caminho que deve ser feito para acessar o canal está em outro idioma, o que dificulta o acesso ao cidadão comum. Desse modo, é importante que as empresas disponibilizem ao menos um canal para realização de denúncias em português, desde o acesso até o momento de realizar o relato da denúncia;
- O canal deve ser de fácil acesso para o público interno e externo. Recomenda-se que a empresa disponibilize ao menos um canal para realização de denúncias em sua página institucional na internet;
- O canal de denúncias não se confunde com Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC. Não se trata de um meio para recebimento de reclamações e elogios. Por essa razão, é preciso que esteja claro no próprio canal que ele constitui um meio para recebimento de denúncias de irregularidades. Também é recomendável que sejam destacados os tipos de irregularidade que podem ser denunciados por meio do canal, como corrupção e fraude, assédio, violações a direitos humanos etc.;
- A empresa deve incentivar a realização de denúncias e garantir que não haverá qualquer tipo de retaliação ao denunciante. Nesse sentido, é recomendável que as garantias conferidas ao denunciante, como não-retaliação, anonimato e confidencialidade, estejam expressas no próprio canal;
- Também é recomendável que os canais disponibilizados possibilitem ao denunciante acompanhar o andamento da denúncia, como forma de garantir transparência e credibilidade ao processo de apuração.
Abaixo está ilustrado o resumo de algumas regras do funcionamento do canal de denúncias:

Uma vez recebida a denúncia, a empresa deve apurá-la. Para tanto, é importante que existam políticas e procedimentos definidos sobre o processo de tratamento e apuração das denúncias, com indicação clara dos responsáveis por cada etapa do processo. Também é recomendável que a empresa estabeleça fluxos específicos para tratamento e apuração da denúncia quando a irregularidade denunciada envolver membros da alta direção, para evitar qualquer tipo de interferência no processo. Além disso, ao detectar uma possível irregularidade, é recomendável que sejam tomadas providências o quanto antes para interromper sua continuidade. As providências dependem da gravidade da irregularidade, mas é possível citar como exemplo a restrição de acesso a sistemas, o afastamento preventivo de cargos, a inclusão de novos níveis de alçada para realização de pagamentos de contratos sob investigação e a suspensão de contratos com parceiros de negócios.
Confirmada a prática da irregularidade, o infrator deve ser imediatamente sancionado de acordo com as políticas estabelecidas pela empresa. Nesse sentido, convém relembrar o Guia de 2015, segundo o qual: A previsão de aplicação de medidas disciplinares em decorrência da violação de regras de integridade é importante para garantir a seriedade do Programa, não se limitando a um conjunto de regras “no papel”. Ainda mais importante é a certeza da aplicação das medidas previstas em caso de comprovação da ocorrência de irregularidades. (…) As punições previstas devem ser proporcionais ao tipo de violação e ao nível de responsabilidade dos envolvidos. (…). Deve-se garantir que nenhum dirigente ou funcionário deixará de sofrer sanções disciplinares por sua posição na empresa. Isso é essencial para manter a credibilidade do Programa de Integridade e o comprometimento dos funcionários. É preciso que se perceba que as normas valem para todos e que todos estão sujeitos a medidas disciplinares em caso de descumprimento
De fato, constitui um elemento essencial para a formação da cultura de integridade na empresa a conscientização de que violações éticas não serão toleradas e de que os infratores, independentemente do cargo que ocupam, serão punidos. Recomenda-se, inclusive, que a empresa divulgue internamente, de forma periódica, informações gerais sobre as apurações de denúncias e aplicação de medidas disciplinares, sem expor nenhum funcionário ou processo sensível da organização. Entende-se que a divulgação dessas informações exerce um efeito dissuasório e contribui para a percepção interna de que as irregularidades são investigadas e os infratores são devidamente sancionados. É recomendável, ainda, que a empresa preserve todas as evidências da prática de irregularidade, para que possam ser usadas, se for o caso, em um eventual processo de colaboração com as autoridades. Vale lembrar que a colaboração com as autoridades pode acarretar benefícios financeiros, como a redução do valor da multa administrativa aplicada com fundamento na Lei Anticorrupção (Art. 23, III, e Art. 47, II, do Decreto nº 11.129/2022).
Artigo escrito pela parceira HECT.